A Ilha das Trevas
Toda a história está centrada na figura de um Timorense, Paulino de seu nome, e da sua família que viveu de bem perto os cerca de 22 anos de ocupação Indonésia.
Aconselho vivamente a leitura desta obra na íntegra, … no entanto e porque me marcou de sobremaneira duas ou três páginas que relatam a vida de Paulino, aqui as vou transcrever por fases.
Nota introdutória: Paulino e sua família (mãe e filha, já que a esposa tinha conseguido fugir para Portugal, e o filho mais novo já tinha morrido nos braços da mãe… à fome) estavam escondidos e refugiados nas montanhas com mais cerca de 500 pessoas. Estavam cercadas, cheias de fome e os megafones dos “bapas” (bapas ou nangalas, assim eram tratados os invasores pelos Timorenses) lá em baixo na cidade apelavam à rendição com a promessa de comida para todos. Claro que os Timorenses desconfiavam, mas naquela altura e naquele estado não havia escolha, os mais fortes fugiram ainda para mais longe, mas os mais débeis…
«Entregámo-nos. A minha mãe e a Isabelinha tremiam de medo, coitadinhas, e eu tentei dar-lhes segurança, ocultando os meus próprios receios. Aproximámo-nos dos nangalas e vi que eram homens do kopassus e de vários batalhões, e incluíam algumas tropas irregulares timorenses. Eles mantiveram as armas apontadas ao nosso grupo, formado por umas quinhentas pessoas, e conduziram-nos em direcção à ribeira Be Tuku, ali perto. Quando chegámos à margem da ribeira, os nangalas pararam e apontaram-nos as armas. De um lado estavam centenas de nangalas, atrás de nós encontrava-se a ribeira. Eu tinha a mão dada à minha mãe e à Isabelinha e percebemos que tínhamos chegado ao fim da linha. Abraçámo-nos com muita força, elas a chorar, eu a beijá-las e a tentar sossegá-las, mas sentia o coração aos pulos, sabia que íamos todos morrer.
Os nangalas abriram fogo de metralhadora sobre nós. Ouvimos o matraquear ensurdecedor à nossa volta, a Isabelinha gritou “pai!” e escondeu a cabeça no meu peito, vi pessoas a cair, à frente, à esquerda, à direita, balas a zumbir por todo o lado, a água do rio a ficar vermelha. A minha mãe foi atingida e embateu brutalmente em mim. Desequilibrei-me e caí com a Isabelinha no chão, os dois sempre muito agarrados, a minha mãe por cima com o sangue a ser despejado em golfadas sobre o meu corpo. Tombaram mais pessoas à nossa volta, algumas também em cima de nós. A Isabelinha chorava e eu rezava a Deus para que aquilo acabasse depressa. Se tínhamos de morrer, que morrêssemos logo, que nos fosse poupada a angústia da espera pelo inevitável. Mas não morremos imediatamente. As rajadas de metralhadora foram perdendo intensidade, até as armas se calarem.»
(... CONTINUA ...)
Nota - A parte ente « e » é uma transcrição na íntegra das páginas do livro "A Ilha das Trevas" de José Rodrigues dos Santos.
Etiquetas: Divulgação, Opinião
1 Comments:
Matos
Já li este livro do JRS, mas comparativamente a outros dele fica atrás (em particular a "Filha do Capitão"). Contudo, como romance histórico tem o seu valor e dá-nos, realmente, a conhecer muitos dos aspectos atrozes da vida dos timorenses.
Abraço
Enviar um comentário
<< Home